quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Fôlego

Agora que há em mim um princípio claro de chuva e sorriso, aproveito e trago comigo uma legião de estrelas sonoras que iluminam a face e o princípio lúdico do poema.
Sou mais leve que a metalinguagem desse verso e mais sinuoso que a sinestesia desse sol.
Atravesso o auge de uma canção seca de outono pisando em folhas de claves vivas que ferem o organismo insano da partitura formando no chão uma trilha de sangue e sombra que gira em torno da flor colorindo suas pétalas que cobrem uma estrofe por inteiro.

Há em mim qualquer coisa de sombra ou neve. Há na sombra uma canção do sono que é profunda e leve, alegre e triste. É uma canção amarga e doce. Há no poema o sonho de um soneto diminuto que me faz de minuto a minuto ser mais neve que o nada. Me faz ser penumbra na noite.

Fecho os olhos e respiro fundo. Encho meus pulmões de versos com cheiro de chuva e de terra molhada. Pronuncio pétalas das mais variadas cores e tons e desenho na aquarela da poesia a figura de um perfume verde que molha o pincel dos meus olhos e traça na tela da minha alma uma solitária única palavra: esperança.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Conversão


Tudo mais o que sinto é motivo de verso.
Na falta de inspiração, apelo para a sensação, que move o mundo, que move o lápis.
Rabisco no tempo os anseios de uma vida morta circular.
Fecho os olhos e vejo a semente da palavra, que brota única num pedaço tímido de papel.

Debruçado na janela da minha alma, vejo meus olhos, vejo a coragem, vejo a fé.
E vejo que minha fé é uma fé em nada. É uma fé no vazio, numa folha de papel em branco.
Naquele mesmo dia me veio a poesia e me trouxe as palavras.
A partir delas fui batizado com versos e, convertido em poema, fui salvo.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Em cena


No tablado de minh’alma encena-se uma peça cujo enredo é minha própria vida.
Mas esse enredo, essa peça, essa vida, são apenas pretextos pra que eu seja,
Pra que eu viva.
Mas o que sou não tem enredo.
Todos os meus passos e sonhos ficaram esquecidos na coxia,
Fugiram de minha boca todas as minhas falas,
Já não sei de mais nada e isso me confunde, pois ter consciência de que nada sei já me faz saber alguma coisa.
Eu sei o nada.
Eu tenho a consciência do silêncio.
Escuto o silêncio e nele escuto o nada.
O silêncio é a voz do nada,
É o grito do antes.

Meu existir é um destino sem palavras.
O ser que eu era tem saudades do que serei
E o que sou hoje, chora sozinho nesse palco.

De nada vale o espetáculo do meu verso.

As pessoas não querem me ler.

Descaminho


Vazio e sem pressa, como água eu caminhava num silêncio de raiz por dentro de mim.
Sem paixão ou motivo que justificasse, eu me conduzia torto pelo eterno descaminho azul desse mim.
Nessa iluminada jornada, descobri que dentro do mim havia um céu leve, cínico de escuridão, e que nas paredes desse céu era possível tocar páginas de livros com estrelas, noites e ventos.

Eu me distraía folheando os livros do meu céu.
Eu era o livro de mim.
Eu me folheava.

Mergulhado nesse universo do dentro, por dias percorri meu coração, minhas lembranças e chorei ao encontrar com o meu tempo, alegre na infância, hoje triste, úmido e solitário.
Trilhando o percurso, ouvi ao longe uma melodia cuja canção me atraía como uma ventania me lançando pelos ares.
Nesse voo melódico e inesperado, fui arrebatado de dentro de mim por versos livres, consagrados de sombra.
Atado a eles, voei por um longo tempo, mas não abria os olhos, porque senti que se os abrisse, cairia de uma altura que só daria pra medir se esse poema fosse um soneto.

Eu estava mais alto que a lágrima.
Tão alto que atingi o plano inconsequente dos segredos da alma.
Eu me deitava em nuvens e flutuava sem rumo por um deserto de borboletas.
Após isso veio o esboço e o infortúnio: fui embalado num véu de olhares atormentados em que só a poesia poderia me salvar.
Ah, a poesia! Ela, que voa sem asas!
Veio até mim e sem mais nem menos me resgatou, lançando-me como chuva num jardim azul com canteiros de petúnias e promessas.

Nesse jardim, eu pequenino contemplei bem de perto a terra, eu terra, os insetos, as flores e percebi que de todos os seres viventes do mundo, eu era o menor.
Isso me fez grande.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A dor do verso


Quero um poema ingrato que me doa
em verso assim sem ritmo que edifica.

Eu finjo uma dor típica de verso
Uma dor lírica que me convém.

Esse poema é triste e me magoa
mas também me transcende e premedita.

Quero um poema simples, mas diverso
de uma dor rica em soberba e desdém.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Verbo Ser

É sol é lua
Verbo Ser no espaço
Verbo Ser entre os astros.

É sol é lua
Madrugada nua
Verbo Ser miniatura
Qual menino de rua
Que caminha, sangra e sua
Na esperança de viver.

Verbo Ser não tem razão
É verbo de ligação
Liga a terra ao céu
E o teu nome ao coração.

Verbo Ser é estrela
Acende a noite dos namorados
E os torna um só entrelaçados
Num céu de gozo e prazeres alados.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Matéria ou um ser que ainda não é

Matéria ou um ser que ainda não é.

Um sonho que tive:
era um eu em formação.

Na verdade, ainda não era um eu.
Era um processo, uma formação mesmo.
Metamorfose de não sei o quê, que nunca chegava plena à sua completude,
nunca chegava a ser.

Eu não falava e não via.
Meus olhos ainda não haviam tomado proporções para coisa.
Nada fazia sentido e, por isso, eu tudo sentia.

Estranho sentir que nada faz sentido.
Porém eu sentia.

Meus braços com dificuldade já se estendiam e minhas mãos trêmulas pegavam palavras ocupadas de céu com lágrimas de sol,
mas a esperança, crisálida que desabrochava no meu ventre, ela mesma, escapava úmida entre meus dedos.

Ainda não tinha certeza se a formação disforme desse eu era mesmo de mim.
Eu não sabia o que era ser. Eu estava apenas sendo.
Havia medo durante o processo.
Mas medo de quê?
Sendo incompleto, a matéria do eu era incapaz de decifrar ao certo as sensações.
Porém eu sentia.

Sentimento ali era apenas um pretexto inútil para ser.
Já a sensação, esta sim me lançava num universo onde espaço e tempo se confundiam e me faziam ter consciência de que para passar para o próximo estágio da formação era preciso o grito.
O grito do alívio e do desespero.
O grito que liberta.

E como gritar sem ainda haver uma boca formada?
Eu nem sabia ainda o que era a boca.
Mas o grito em mim era muito mais do que uma forte emissão de som.
Era um empurrão, uma energia que me saía inclusive pelos poros.
O apelo me sangrava pelo corpo
e assim eu me libertava,
assim eu ia me tornando.

Posso dizer que toda a minha vida se passou ali, no processo.
Depois veio a morte da semente.

Nessa hora, comecei a não sentir algumas partes do meu corpo em formação quando súbito me deparo com um abismo à minha frente.


Queda.


Acordei num salto e vi que dormia em cima de um dos braços.